Deusa Cananeia Aserá: sedução, poder e fé no coração de Israel Antigo
A deusa cananeia Aserá é um dos personagens femininos mais intrigantes da Bíblia e da arqueologia do Oriente Próximo. Reverenciada como consorte de El, “mãe dos deuses” e, para alguns povos, até companheira de Javé, ela permeia narrativas que uniram religião e política, envolveu reis hebreus, provocou profetas e moldou a cultura do Levante. Neste artigo, vamos destrinchar 3.500 anos de história, evidências arqueológicas, textos bíblicos e conexões culturais para entender por que essa divindade foi considerada a mulher mais temida de Israel. Ao final, você conhecerá símbolos, mitos, impactos sociopolíticos e lições atuais extraídas da complexa figura de Aserá.
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Ver ProdutoIntrodução: o fascínio e o temor em torno de Aserá
Desde as escavações em Ugarit, na atual Síria, até as passagens de 1 Reis e 2 Crônicas, a deusa cananeia Aserá – também chamada de Asherah ou Astarot em diferentes dialetos semíticos – surge como figura magnética que, segundo os escribas, “fazia Israel pecar”. Seu culto propunha fertilidade, proteção militar e prosperidade agrícola, valores centrais em sociedades agrárias. Contudo, tal adoração colidia com o monoteísmo emergente defendido pelos profetas. Este artigo apresenta:
- Contexto arqueológico, linguístico e histórico da deusa cananeia;
- Comparação entre práticas cananeias e leis israelitas;
- Testemunhos bíblicos sobre reis seduzidos por Aserá;
- Símbolos rituais, postes sagrados (asherim) e relevância para a arqueologia bíblica;
- Aplicações contemporâneas em estudos de gênero, poder e religião.
Caixa de Destaque 1 – Por que este tema importa?
Compreender Aserá vai além de curiosidade teológica: revela choques culturais, manipulação de símbolos e a disputa por hegemonia religiosa que ainda ecoa em debates modernos sobre pluralismo e intolerância.
Origens históricas da deusa cananeia Aserá
O epicentro do culto a Aserá data da Idade do Bronze (c. 1800 a.C.) na cidade-estado de Ugarit. As tábuas cuneiformes descobertas em 1928 trazem o nome “Athirat”, traduzido pelos semitólogos como Aserá. Nelas, Athirat figura como esposa de El, o deus supremo, e mãe de setenta divindades. Os textos descrevem banquetes divinos, intercessões maternas e rituais de fertilidade agrícola.
Expansão pelo Levante
Com a migração de povos arameus e cananeus, o culto à deusa cananeia se espalhou por Fenícia, Filístia e, finalmente, pelos reinos de Israel e Judá. Inscrições de Kuntillet Ajrud (Sinaí, séc. VIII a.C.) exibem a frase: “YHWH e sua Aserá”, sugerindo sincretismo. O professor William Dever, da Universidade do Arizona, analisa que esses achados indicam “um culto familiar no qual a presença feminina complementava a figura masculina de YHWH”.
Arqueologia e iconografia
Nos sítios de Bet Shean e Tell Rehov, estatuetas terracota representam mulheres com seios destacados, interpretadas como Aserá. Postes de madeira citados na Bíblia (os asherim) funcionavam como altares vivos, simbolizando o pilar vital das árvores sagradas. Diferente dos ídolos zoomórficos vizinhos, Aserá foi antropomorfizada como esposa e mãe, reforçando sua influência doméstica.
A influência cultural e religiosa no Antigo Israel
O Antigo Testamento apresenta uma tensão: de um lado, a monolatria javística; de outro, tradições populares que envolviam a deusa cananeia. Pesquisas sociológicas estimam que, até o exílio babilônico (586 a.C.), famílias camponesas mantinham altares sincréticos dentro de casa. Esse dualismo explica as constantes reformas religiosas de reis como Ezequias e Josias.
Sincretismo e quotidiano
Aserá era invocada em casamentos, partos e semeaduras. Lâmpadas cerâmicas achadas em Jerusalém ostentam sinais que sugerem bênção mútua: YHWH para guerra e justiça, Aserá para vida e colheita. Esse pragmatismo religioso coexistiu com a teologia oficial até ser reprimido.
Reação profética
Profetas como Elias (1 Reis 18) enfrentaram 400 sacerdotes de Aserá no Monte Carmelo. Já Jeremias denunciou “las mulheres que assam bolos à Rainha dos Céus” (Jr 7:18). Essa linguagem dura indica uma guerra cultural. Nas palavras da arqueóloga Carol Meyers:
Descortinar a história de Aserá é perceber que a Bíblia preservou não apenas a voz dominante, mas também ecos de práticas populares, oferecendo uma janela rara para a religiosidade das famílias israelitas. – Carol Meyers, Duke University
Narrativa bíblica: reis, profetas e confronto espiritual
A história de Acabe e Jezabel (1 Reis 16–22) exemplifica a sedução real. Jezabel, princesa fenícia, introduziu Aserá e Baal nas cortes do Norte. Os textos relatam que Acabe “fez um poste-ídolo” e “irritou mais ao Senhor do que todos os reis antes dele”. Esse casamento político possibilitou aliança comercial com Tiro, mas gerou conflito religioso intenso.
Casos emblemáticos
- Acabe – construiu templo e poste para Aserá em Samaria.
- Manassés – colocou ídolo no Templo de Jerusalém (2 Reis 21).
- Asa – depôs a rainha-mãe Maaca por fazer uma imagem de Aserá.
- Ezequias – removeu os asherim em reforma religiosa (2 Cr 31).
- Josias – queimou ídolos no Vale de Cedrom (2 Reis 23).
- Gideão – derrubou altar de Baal e o poste de Aserá de seu pai (Jz 6).
- Jeoás – contrariou o filho Gideão, revelando conflito familiar.
Esses eventos mostram que o culto à deusa cananeia nunca foi marginal; esteve no coração das elites. Profetas atuaram como “fiscalizadores” da aliança javística, associando Aserá a infidelidade conjugal: “Israel adulterou, seguindo outros deuses” (Os 3:1).
Símbolos, rituais e artefatos de culto à deusa
Para compreender o fascínio popular, é crucial examinar objetos e cerimônias associados a Aserá. Os postes sagrados, queimados por Josias, provavelmente eram troncos de árvore com inscrições de fertilidade. Já estatuetas de terracota seguiam dois estilos: “Pilar Judeu” (tronco simplificado, seios proeminentes) e “Modelo Helénico” (formas anatômicas completas).
Ritual agrícola
Durante a Festa da Ceifa, agricultores derramavam vinho no solo diante do asherah. Tal libação simbolizava a nutrição da mãe-terra. Historiadores relatam procissões com tamborins, ecoando o canto de Débora em Juízes 5, onde a alegria pela colheita e a vitória militar se misturam.
| Artefato | Função Ritual | Sítio Arqueológico |
|---|---|---|
| Poste sagrado (asherah) | Altar doméstico e público | Samaría, Jerusalém, Laquis |
| Estatueta “Pilar Judeu” | Proteção materna em partos | Bet Shemesh |
| Incensário de pedra | Oferenda aromática | Tel Arad |
| Lâmpada cerâmica com signos | Invocação noturna | Hebron |
| Tamborim de bronze | Cortejos festivos | Hazor |
| Vasos pintados com palmeiras | Simbolismo de vida longa | Megido |
Lista de símbolos recorrentes
- Árvore estilizada – ligação entre céu e terra;
- Leão ou vaca – força e nutrição;
- Lua crescente – ciclo feminino;
- Uvas e romãs – fertilidade agrícola;
- Serpente – sabedoria e renovação.
Caixa de Destaque 2 – “Poste-ídolo” não é totem
O hebraico asherah designa tanto a deusa quanto o objeto de culto. Traduzir por “poste-ídolo” é simplificação; estudos mostram variações: estacas vivas, galhos esculpidos e até colunas de pedra.
Impacto sociopolítico: a sedução do poder real
O culto à deusa cananeia não era apenas espiritual; funcionava como ferramenta diplomática. A aliança entre Tiro e Israel via matrimônio de Jezabel ilustra essa dinâmica. Aserá garantiu legitimidade interna ao unir clãs israelitas de origem cananeia, aliviando tensões tribais.
Mecanismos de influência
- Casamento diplomático – Princesas fenícias traziam ídolos como dote;
- Economia agrícola – Rituais de fertilidade justificavam impostos ao templo;
- Burocracia sacerdotal – Sacerdotes de Aserá detinham arquivos e contabilidade;
- Política de construção – Templos geravam emprego e apoio popular;
- Propaganda – Reis se apresentavam como “filhos da deusa”, reforçando carisma;
- Guarda palaciana – Sacerdotes armados, como relatado em 2 Reis 11;
- Rituais de vitória – Após guerras, proclamação de Aserá como patrona da conquista.
Os profetas, ao acusar idolatria, também atacavam esse aparato político. Combater Aserá equivalia a desafiar a estrutura palaciana que distribuía recursos.
Caixa de Destaque 3 – A mulher mais temida
Aserá foi (e ainda é) temida não por sua violência, mas por unir sexualidade, maternidade e poder estatal – combinação que ameaçava tanto a moral religiosa quanto a autoridade política masculina.
Lições contemporâneas: espiritualidade, política e gênero
A análise da deusa cananeia oferece insights sobre a tensão entre tradição e inovação religiosa. No universo acadêmico, a recuperação de divindades femininas inspira debates sobre a representatividade das mulheres nas escrituras. Já na sociedade civil, reflete-se sobre o risco de instrumentalizar símbolos sagrados para agendas políticas.
Aplicações práticas
- Estudos de gênero – Aserá revela a presença feminina no sagrado;
- Ciência da religião – Demonstra sincretismo como fenômeno constante;
- Políticas públicas – Ensina que religião pode legitimar ou contestar poder;
- Ecologia espiritual – A árvore sagrada inspira práticas sustentáveis;
- Diálogo inter-religioso – Reconhece pluralidade histórica do Levante.
FAQ sobre Aserá
1. Aserá é a mesma que Astarote ou Ishtar?
Aserá compartilha traços com Astarté e Ishtar, mas cada uma possui mitos específicos. Sincretismos regionais causam sobreposições.
2. Por que a Bíblia condena tão fortemente seu culto?
Porque o monoteísmo javista via na deusa cananeia uma ameaça à pureza teológica e à união política do reino.
3. Há indícios de sacerdotisas?
Textos de Ugarit mencionam servas do templo (qadishtu). Em Israel, a Bíblia cita “profetisas” mas não confirma sacerdotisas formais.
4. Qual a ligação com o poste (asherah)?
O poste era símbolo material da deusa, possivelmente um tronco vivo representando fertilidade.
5. O culto continua hoje?
Nenhuma tradição organizada adora Aserá, mas movimentos neopagãos resgatam elementos simbólicos.
6. Aserá aparecia no Templo de Salomão?
A narrativa diz que Manassés inseriu um ídolo ali, sinalizando quanto o sincretismo alcançou o centro do poder religioso.
7. A arqueologia confirma “YHWH e sua Aserá”?
Sim. Inscrições de Kuntillet Ajrud corroboram que algumas comunidades percebiam Aserá como consorte de Javé.
Perspectiva crítica
Teólogas feministas veem a recuperação de Aserá como oportunidade de reequilibrar teologias patriarcais. Já arqueólogos alertam: a romantização pode mascarar práticas questionáveis, como prostituição cultual, ainda debatida academicamente.
Conclusão
Em síntese, a deusa cananeia Aserá:
- Nasceu em Ugarit como mãe dos deuses;
- Penetrou na cultura israelita por meio de sincretismo doméstico e alianças políticas;
- Seduzia reis e incomodava profetas, simbolizando conflito entre tradição popular e reforma monoteísta;
- Deixou rastro arqueológico em postes-ídolo, estatuetas e inscrições “YHWH e sua Aserá”;
- Ensinou que religião, gênero e poder são faces da mesma moeda.
Que essa jornada histórica inspire estudos críticos e respeito à diversidade religiosa. Se esse tema despertou seu interesse, assista ao vídeo completo do canal Bíblia Viva, compartilhe este artigo e participe do debate nos comentários. Créditos a Bíblia Viva por trazer à tona esse conteúdo fascinante que conecta arqueologia, Bíblia e cultura.


